terça-feira, 29 de março de 2011

Preços de Petróleo: O terceiro Choque? (José Israel Vargas e Carlos Feu Alvim)

Preços de Petróleo: O terceiro Choque?

José Israel Vargas
jivargas@abc.org.br
Carlos Feu Alvim
feu@ecen.com

O mundo viveu, nos últimos trinta anos do século passado, dois choques no preço do petróleo: O primeiro em 1973, desencadeado pela Guerra do Yom Kippur quando os produtores árabes resolveram suspender as exportações aos EUA como punição pelo apoio do Ocidente a Israel naquela guerra. O segundo choque foi resultado de uma ação, liderada pela Arábia Saudita, visando elevar o preço alvo do petróleo que se somou ao agravamento da conjuntura internacional pela ocorrência concomitante da revolução fundamentalista no Iran naquele ano.

O preço do barril de petróleo, expresso em dólar de 2003, atingiu a 42 US$ em 1973 e chegou a 80 US$ o barril em 1979, expressos em dólares de 2003. Em Outubro de 2004 o petróleo atingira 48 US$/barril, retomando níveis próximos aos do primeiro choque.
Figura 1: Preços Internacionais de Petróleo em dólar corrente e em dólar de 2003.

Como em 1973 e 1979, atribui-se a elevação brusca do preço às motivações políticas vinculadas à prevalência de crises como a guerra no Iraque, as tensões em relação ao Irã e as incertezas na Venezuela e Rússia.

Alguns especialistas em preços chamam a atenção, no entanto, para uma tendência sistêmica que alimentaria a elevação do preço, vigente antes mesmo da Guerra do Iraque, como pode ser notado na Figura 2 (detalhe da Figura 1) a indicar que dificilmente os preços do petróleo retornariam nos níveis aos níveis de 1998 (em torno de 15 US$(2003) / barril), ou mesmo ao de 1994 (20 US$(2003) / barril). Assim, estes especialistas apostam em uma futura estabilização do preço do barril entre 30 e US$ 40.
Figura 2: Tendência crescente do preço do petróleo entre 1994 e 2002.

Na e&e 45 foi[i] relatada, como exemplo, a projeção realizada por C. Marchetti (1984)[ii] da participação relativa das diversas fontes primárias de energia no mercado (Figura 3).

Passados 20 anos da previsão, torna-se viável avaliar sua qualidade. Para isto, compara-se (também na Figura 3) a referida projeção com a participação real das fontes de energia no mercado mundial.
Figura 3: Projeções de C. Marchetti (1984) (no topo) comparadas com a evolução real da participação das fontes energéticas (abaixo) (IEA)[iii]

Da comparação surgem alguns fatos interessantes: A participação do petróleo - que havia sido deprimida com os choques de preços de 1973 e 1979 - voltou à trajetória prevista depois do “choque frio” nos preços de petróleo de 1986. É significativo que, quando o consumo ultrapassou (nestes últimos anos) a trajetória “natural” projetada, uma nova elevação do preço de petróleo ocorreu.

Quanto à energia nuclear, cuja penetração inicial ultrapassou em muito o ritmo observado e antecipado para outras energias primárias, torna-se aparente que essa fonte estaria retornando à trajetória inicialmente prevista pelo modelo e, provavelmente, voltará a ter sua participação acrescida. Deve-se recordar, porém que a penetração nuclear no mercado do terceiro mundo foi fortemente inibida pela adoção de políticas alimentadas pela crescente preocupação com a proliferação de armas nucleares que a expansão desta forma de energia poderia propiciar. De outra parte, sua participação na geração de eletricidade já deve ter atingido o ponto de saturação em alguns países, como a França.

As surpresas maiores na presente comparação referem-se às participações do gás natural e do carvão. Para o primeiro, a frustração das expectativas deve-se, provavelmente a limitações típicas desse combustível: a pouca uniformidade de sua distribuição geográfica acrescida da dificuldade de seu transporte a grandes distâncias. Com efeito, as reservas da América do Norte representam apenas 4,2% da reserva global. Sendo responsável por 28% do consumo de energia primária mundial, uma inibição do uso, nessa região, de gás natural limita significativamente sua participação no total mundial. Dificuldades de transporte e provavelmente políticas (em que pese a aproximação EUA/Rússia) fazem que não exista ainda ligação entre a Sibéria e o Alasca, que provavelmente poderia aproveitar parte da infra-estruttura já existente ligando o Alasca ao restante do território americano, através do Canadá. Por outro lado, o transporte criogênico, que faria expandir o consumo de fato, não se viabilizou economicamente.

Pode-se cogitar que o limite superior de participação do gás natural (de difícil projeção na metodologia usada por C. Marchetti no início do processo de competição) não estaria exagerado naquele trabalho. De fato, o valor máximo de participação considerado (~58%) ultrapassaria, inclusive, o máximo alcançado pelo petróleo que, segundo o modelo, já estaria entrando em sua fase declinante em termos de participação no consumo global. Com efeito, nos países onde existe boa disponibilidade de gás ainda não existe uma generalização de seu uso como combustível para o transporte em virtude de sua limitada portabilidade. Por esta razão, o transporte, em 2001, era responsável por 57 % do consumo de petróleo no mundo, já o uso do gás natural no transporte absorvia apenas a 4,8% de seu uso, segundo a Agência Internacional de Energia.

O total de participação dos energéticos, mostrado na Figura 3 é, por definição, de 100% e uma penetração do gás natural menor do que a prevista tem que ser compensada por maior participação de outra fonte. Como as demais fontes aproximam-se da participação prevista por C. Marchetti, a sustentação da participação do carvão no final do século (ao contrário da perda prevista) é o fato complementar à expansão do uso do gás natural em ritmo inferior ao esperado. Deve-se assinalar que os comportamentos do carvão e do gás natural, observados nos últimos vinte anos, já se anunciavam na ocasião da publicação do artigo (1985). Certamente, os desvios foram interpretados (e ainda é possível que o sejam) como oscilações em torno da tendência histórica, como manifestação das alegadas propriedades homeostáticas do “sistema” energia (ver artigo de J.I. Vargas anteriormente citado)

Pode-se assim compreender a resistência corrente dos EUA aos dispositivos do Protocolo de Quioto, em face das dificuldades da economia americana para abastecer-se de gás natural que proporciona sensíveis ganhos na emissão de CO2, quando substituindo o carvão mineral.

Conclui-se que a elevação nos preços do petróleo encontra justificativa na retomada de sua participação na matriz energética mundial que foi reconduzida à trajetória observada anteriormente aos choques de 1973 e 1979. Mesmo com o desaparecimento das tensões políticas que exacerbam os atuais preços, não se deve esperar que ele retorne ao nível de 20 US$/barril observado em boa parte da década de noventa.



Referências:

[i] Vargas, J. I., “A Prospectiva Tecnológica: Previsão com um Simples Modelo Matemático”. Economia e Energia No. 45, agosto-setembro 2004.

[ii] Marchetti, C., 1985 “Nuclear Plants and Nuclear Niches: On the Generation of Nuclear Energy during the Last Twenty Years”, Nuclear Science and Engineering, 90:521--526

[iii] IAE - Agência Internacional de Energia http://www.iea.org

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